quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Milhões do crime parados à espera de lei





Quando o capo di tutti capi da família Provenzano, uma das mais importantes da máfia siciliana, foi preso em 2006 pela Polícia italiana, vivia numa pocilga nas traseiras de uma pequena quinta. Tinha biliões de euros em contas bancárias espalhadas pelo mundo, mas não podia usufruir dos proveitos do crime por que as autoridades confiscavam qualquer sinal de riqueza demonstrada pelos membros da sua família.
Esta foi a descrição feita numa conferência em Haia por Han Moraal, procurador-geral da Holanda, para evidenciar as vantagens das chamadas agências de recuperação de activos que executam e vendem os bens apreendidos. «Não tive pena deles. Pelo contrário, só pensei que é necessário atacá-los onde lhes dói mais: nos seus bolsos», afirmou o magistrado.
Em Portugal, apreender de forma mais ágil os bens de valor superior a 102 mil euros e, em certos casos, aliená-los antes de uma decisão final em processos com pena de prisão igual ou superior a três anos, é também o objectivo do Gabinete de Recuperação de Activos (GRA) e do Gabinete de Administração de Bens (GAB). Estes dois novos organismos foram criados em Junho do ano passado e funcionarão na dependência da Polícia Judiciária (que, através do GAR, ficará responsável pelos confiscos de bens autorizados pelo Ministério Público) e do Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça (que, através do GAB, procederá à venda dos bens apreendidos).
A sua institucionalização – prevista pelo Ministério da Justiça até ao final do primeiro trimestre deste ano – representará uma nova arma para lutar contra crimes económicos, como a corrupção e o branqueamento de capitais, e permitirá ao Estado criar uma nova fonte de receitas de valor muito significativo.
Só a 9.ª secção do DIAP de Lisboa, onde se investiga a criminalidade económico-financeira mais complexa, tem pendentes nos tribunais numerosas declarações de perda de bens a favor do Estado que totalizam mais de 100 milhões de euros.
Venda antecipada de bens apreendidos
O principal problema da nova lei reside no facto de a venda dos bens apreendidos não ser possível antes do trânsito em julgado da sentença do processo-crime em causa, ao contrário do que acontece, por exemplo, na Holanda.
Esta é uma das recomendações do projecto Fénix - grupo de trabalho liderado pela Procuradoria-Geral da República e pela Polícia Judiciária que, juntamente com as autoridades congéneres espanholas e holandesas, analisou os sistemas de recuperação de activos existentes nesses países.
Apenas os bens perecíveis (alimentos, por exemplo) ou que corram risco de desvalorização poderão ser vendidos sem que exista uma decisão final sobre a culpabilidade ou inocência do arguido. Já os bens imóveis apenas poderão ser vendidos antecipadamente pelo Estado após o trânsito em julgado de uma condenação – a não ser que representem um perigo para a segurança ou exista um grave risco de perda de valor.
Da avaliação deste risco de desvalorização, que pode legitimar a venda antecipada de bens como carros, jóias, títulos mobiliários (acções ou obrigações) e os já referidos imóveis, dependerá o sucesso da lei.
Mas, segundo os testemunhos de diversos juízes e de magistrados do Ministério Público contactados pelo SOL, já existem dúvidas sobre a lei. Enquanto uns entendem que a interpretação dos Tribunais pode ser restritiva – impedindo, na prática, vendas antecipadas de valor significativo –, outros defendem que a desvalorização de acções de uma empresa cotada ou a depreciação do valor de um carro ou a quebra de preços no mercado imobiliários, pode levar à venda antecipada dos bens apreendidos antes de uma condenação transitar em julgado.
Já em relação aos casos em que tenha havido venda antecipada e posterior absolvição do arguido a quem foram apreendidos os bens, a lei é calara: o valor obtido pelo Estado será devolvido, acrescido de juros à taxa legal.

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